Dias antes do aniversário da minha querida mãezinha, ela enfrentou um mal-estar grave que resultou em sua entrada no hospital. A partir daí, passou por diversas avaliações médicas e foi diagnosticada com uma parada cárdia respiratória. Apesar dessa situação, minha mãe estava lúcida e nos primeiros dias, falava claramente. No entanto, a medida em que os dias passavam, seu quadro não apresentava melhoria. Seu coração já não tinha forças suficientes para bombear o sangue, e na sequência, o rim também apresentava sinais de fragilidade.
Segundo a equipe médica, uma nova parada cardiorrespiratória era
eminente, restando com única opção ser intubada. Isso apresentaria menor
probabilidade de retorno espontâneo de circulação e desfecho neurológico com
menor taxa de sobrevivência.
Foi então decidido que não a intubariam, e tudo ficaria à vontade
de Deus. Em momentos como este, a fé e a esperança se tornam nossas maiores
aliadas. Diante da incerteza, escolhemos confiar na jornada que a vida nos
apresenta, mesmo quando o caminho é incerto e o desfecho desconhecido. A
decisão de não prosseguir com procedimentos invasivos foi tomada por todos com
o coração apertado, mas com a crença de que, às vezes, é preciso deixar ir e
permitir que o destino se desdobre à sua maneira.
Ao entrar para visitá-la, apesar de não ter força mecânica para
falar, ela se mostrava determinada em expressar sua felicidade. Com uma força
extraordinária, que parecia vir além dos nossos sentidos, ela pronunciava
nossos nomes. Era um gesto dedicado e emocionante, uma maneira clara e nítida
de transmitir sua gratidão e felicidade ao nos ver. Ao ouvir meu nome sendo
pronunciado por ela, minhas cordas vocais se fechavam e não conseguia nada
falar. A emoção tomava conta de tudo, nos fazendo chorar. E eu, em meio ao
desespero de nada poder fazer, me apequenava e pedia aos deuses uma orientação.
A dor e o cansaço causados pelo tratamento invasivo, somado à
deficiência de seus órgãos, a impossibilitavam de expressar seu estado e seus
sentimentos. Sendo essa sua maior dor, ela se encontrava em um silêncio
forçado, uma quietude que gritava por dentro. Cada dia era uma batalha, não
apenas contra a doença, mas contra a incapacidade de comunicar sua angústia e
necessidades.
Era como se estivesse presa em seu próprio corpo, uma prisão sem
grades visíveis, mas que se fazia sentir com toda a força. A comunicação é uma
parte essencial da humanidade, e ser privado dela é como ter uma parte vital
arrancada de si. A luta para manter a esperança viva e encontrar novas maneiras
de se conectar com o mundo ao seu redor tornava-se seu objetivo diário.
Neste caminho doloroso, ela descobriu que mesmo nas menores
coisas podem residir grandes fontes de conforto e expressão. Um olhar, um
toque, um gesto simples podiam dizer muito mais do que palavras jamais
poderiam. Ela aprendeu a falar sem palavras, a transmitir amor e dor através do
silêncio eloquente que agora a definia.
A maior dor não era apenas física; era a dor da alma clamando por
ser ouvida, E enquanto lutava para encontrar sua voz novamente, ela nos
ensinava sobre a força do espírito humano e sobre como, mesmo nas
circunstâncias mais adversas, podemos encontrar maneiras de brilhar nossa luz
interior.
Diante da situação, restava uma indagação pulsante no meu
subconsciente: "Por que, meu Deus?" A cada dia que passava, essa
pergunta ganhava mais força, ecoando pelos corredores da minha mente em busca
de respostas. Era como se cada momento de silêncio se transformasse em uma
oportunidade para essa dúvida se manifestar, trazendo consigo uma carga
emocional intensa que me fazia refletir sobre os mistérios da vida e as
reviravoltas do destino.
E o silêncio tomava conta do ambiente, ouvindo-se ao lado do leito,
somente o barulho do monitor de frequência do seu batimento cardíaco enquanto
ela adormecia. Minha irmã Cida a massageava e a fazia entrar em um momento de
paz e introspecção, onde cada batida parecia sussurrar segredos antigos e
histórias esquecidas. A respiração dela se tornava cada vez mais suave, em
harmonia com o ritmo calmo que a cercava. Nesse instante de calmaria, a vida
parecia suspensa, como se o tempo tivesse parado para contemplar a beleza da
existência humana.
Essa história nos lembra que, mesmo em circunstâncias difíceis,
minha mãe continua sendo um exemplo inspirador de força e amor. Ela merece o
nosso apoio, carinho e preocupação, pois ela nos faz sentir o maior amor e
respeito do mundo.
Um dia após seu aniversário, ao
visitá-la junto com meu irmão mais velho, Irineu, já na antessala, o médico nos
chamou e, em poucas palavras, informou que seu estado de saúde tivera um agravo
significativo não resistindo e vindo a óbito naquela mesma manhã. A notícia caiu como um raio em nossos
corações. Eu tentando transmitir alguma força inabalável. Mas naquele momento,
a sala parecia girar, e as palavras do médico se repetiam em minha mente sem
encontrar sentido. Meu coração batia descompassado, o sub consciente cheio de
incertezas que pairavam no ar.
“Seria este o fim?” perguntei-me, fitando nos olhares do médico e
do meu irmão. No mesmo instante, projetava dúvidas e medos que se entrelaçavam
como folhas caídas no outono. O futuro, antes tão claro, agora se desdobrava em
um labirinto de possibilidades.
E de agora em diante? Como transmitiríamos essa revelação aos
outros? As palavras eram frágeis, insuficientes para carregar o peso da
verdade. O olhar do Irineu buscava respostas em meu rosto, mas eu também era
apenas um viajante perdido nesse caminho agora incerto.
Continua..
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