terça-feira, 19 de março de 2024

Minha eterna protetora

 

Dias antes do aniversário da minha querida mãezinha, ela enfrentou um mal-estar grave que resultou em sua entrada no hospital. A partir daí,  passou por diversas avaliações médicas e foi diagnosticada com uma parada cárdia respiratória. Apesar dessa situação, minha mãe estava lúcida e nos primeiros dias, falava claramente. No entanto, a medida em que os dias passavam, seu quadro não apresentava melhoria. Seu coração já não tinha forças suficientes para bombear o sangue, e na sequência, o rim também apresentava sinais de fragilidade.

Segundo a equipe médica, uma nova parada cardiorrespiratória era eminente, restando com única opção ser intubada. Isso apresentaria menor probabilidade de retorno espontâneo de circulação e desfecho neurológico com menor taxa de sobrevivência.

Foi então decidido que não a intubariam, e tudo ficaria à vontade de Deus. Em momentos como este, a fé e a esperança se tornam nossas maiores aliadas. Diante da incerteza, escolhemos confiar na jornada que a vida nos apresenta, mesmo quando o caminho é incerto e o desfecho desconhecido. A decisão de não prosseguir com procedimentos invasivos foi tomada por todos com o coração apertado, mas com a crença de que, às vezes, é preciso deixar ir e permitir que o destino se desdobre à sua maneira.

Ao entrar para visitá-la, apesar de não ter força mecânica para falar, ela se mostrava determinada em expressar sua felicidade. Com uma força extraordinária, que parecia vir além dos nossos sentidos, ela pronunciava nossos nomes. Era um gesto dedicado e emocionante, uma maneira clara e nítida de transmitir sua gratidão e felicidade ao nos ver. Ao ouvir meu nome sendo pronunciado por ela, minhas cordas vocais se fechavam e não conseguia nada falar. A emoção tomava conta de tudo, nos fazendo chorar. E eu, em meio ao desespero de nada poder fazer, me apequenava e pedia aos deuses uma orientação.

A dor e o cansaço causados pelo tratamento invasivo, somado à deficiência de seus órgãos, a impossibilitavam de expressar seu estado e seus sentimentos. Sendo essa sua maior dor, ela se encontrava em um silêncio forçado, uma quietude que gritava por dentro. Cada dia era uma batalha, não apenas contra a doença, mas contra a incapacidade de comunicar sua angústia e necessidades.

Era como se estivesse presa em seu próprio corpo, uma prisão sem grades visíveis, mas que se fazia sentir com toda a força. A comunicação é uma parte essencial da humanidade, e ser privado dela é como ter uma parte vital arrancada de si. A luta para manter a esperança viva e encontrar novas maneiras de se conectar com o mundo ao seu redor tornava-se seu objetivo diário.

Neste caminho doloroso, ela descobriu que mesmo nas menores coisas podem residir grandes fontes de conforto e expressão. Um olhar, um toque, um gesto simples podiam dizer muito mais do que palavras jamais poderiam. Ela aprendeu a falar sem palavras, a transmitir amor e dor através do silêncio eloquente que agora a definia.

A maior dor não era apenas física; era a dor da alma clamando por ser ouvida, E enquanto lutava para encontrar sua voz novamente, ela nos ensinava sobre a força do espírito humano e sobre como, mesmo nas circunstâncias mais adversas, podemos encontrar maneiras de brilhar nossa luz interior.

Diante da situação, restava uma indagação pulsante no meu subconsciente: "Por que, meu Deus?" A cada dia que passava, essa pergunta ganhava mais força, ecoando pelos corredores da minha mente em busca de respostas. Era como se cada momento de silêncio se transformasse em uma oportunidade para essa dúvida se manifestar, trazendo consigo uma carga emocional intensa que me fazia refletir sobre os mistérios da vida e as reviravoltas do destino.

E o silêncio tomava conta do ambiente, ouvindo-se ao lado do leito, somente o barulho do monitor de frequência do seu batimento cardíaco enquanto ela adormecia. Minha irmã Cida a massageava e a fazia entrar em um momento de paz e introspecção, onde cada batida parecia sussurrar segredos antigos e histórias esquecidas. A respiração dela se tornava cada vez mais suave, em harmonia com o ritmo calmo que a cercava. Nesse instante de calmaria, a vida parecia suspensa, como se o tempo tivesse parado para contemplar a beleza da existência humana.

Essa história nos lembra que, mesmo em circunstâncias difíceis, minha mãe continua sendo um exemplo inspirador de força e amor. Ela merece o nosso apoio, carinho e preocupação, pois ela nos faz sentir o maior amor e respeito do mundo.

Um dia após seu aniversário, ao visitá-la junto com meu irmão mais velho, Irineu, já na antessala, o médico nos chamou e, em poucas palavras, informou que seu estado de saúde tivera um agravo significativo não resistindo e vindo a óbito naquela mesma manhã.  A notícia caiu como um raio em nossos corações. Eu tentando transmitir alguma força inabalável. Mas naquele momento, a sala parecia girar, e as palavras do médico se repetiam em minha mente sem encontrar sentido. Meu coração batia descompassado, o sub consciente cheio de incertezas que pairavam no ar.

“Seria este o fim?” perguntei-me, fitando nos olhares do médico e do meu irmão. No mesmo instante, projetava dúvidas e medos que se entrelaçavam como folhas caídas no outono. O futuro, antes tão claro, agora se desdobrava em um labirinto de possibilidades.

E de agora em diante? Como transmitiríamos essa revelação aos outros? As palavras eram frágeis, insuficientes para carregar o peso da verdade. O olhar do Irineu buscava respostas em meu rosto, mas eu também era apenas um viajante perdido nesse caminho agora incerto.

Continua..

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009